A luta continua

É cada vez mais comum vermos mulheres liderando empresas ou em cargos de alto escalão. São inegáveis as conquistas femininas nesse campo e isso nem é mais tão notícia assim. Mas o que ainda surpreende é quão pouco as mulheres caminharam na divisão de tarefas. Todos os dados que leio relacionados à carga horária das mulheres dentro de casa apontam para a mesma direção: a mulher soube entrar nas empresas mas não soube delegar a casa ao marido. Cabe ainda às mulheres, com exceção das muitos ricas (que pagam para alguém cuidar disso), ter a dupla jornada, trabalhando muito dentro e fora de casa. Hoje, lendo ao jornal Estado de São Paulo, o sociólogo pesquisador da Universidade de Brasilia, Marcelo Medeiros, aborda muito bem esse ponto, fazendo-me refletir sobre uma ideia: ainda há muito o que mudar no que se refere à igualdade entre homens e mulheres. Aceita-se muito bem mulheres presidindo empresas mas poucos homens são corajosos o suficientes para serem “apenas” donos de casa. Ainda prevalece sobre eles o estereótipo do provedor. Ele pode até  “dar uma mão” nas tarefas da casa mas essa gestão ainda é feminina.

Não sou defensora da igualdade absoluta entre gêneros mas sim a favor da liberdade de escolha. Nesse quesito acho que tanto homens como mulheres ainda vivem numa encruzilhada. Mulheres porque não se libertaram das tarefas da casa, apesar do excelente desempenho no mundo corporativo. Homens porque sentem-se pressionados para produzir “fora de casa” e sentem-se impedidos de fazer uma outra opção, que não essa.

Pois é, para quem acha que muitas mudanças rolaram, sem dúvidas, isso é inequívoco. Mas a luta ainda continua. Para elas e para eles.

Pais equilibristas

No Brasil ainda é raro, mas nos países europeus, especialmente os escandinavos, pais que gozam de licença-paternidade já são uma realidade, como mostra o jornal The New York Times, no caderno veiculado pela FSP em 28 de junho. Essa pode ser uma importante tendência para aliviar um pouco a sobrecarga sobre as mulheres. Ter pais mais presentes nos primeiros meses do bebê não só é de extrema ajuda para dividir as tarefas com a mãe como também um ganho e tanto para a relação afetiva desse pai com o filho.

Mas mesmo lá esse processo não se deu de um dia para o outro. Em 1974 a Suécia se tornou o primeiro país a aderir a licença-paternidade, mas poucos pais a tiravam. Mesmo com incentivos do governo, ainda em 1991 apenas 6% dos pais aderiam ao benefício. Lá como aqui perpetuava um círculo vicioso: as mulheres continuavam a tirar licença não só pela tradição mas também porque seu salário costumava ser menor e isso perpetuava (e ainda perpetua por aqui), a diferença salarial. Somente em 1995 o governo sueco decidiu tomar uma medida mais agressiva adotando uma lei que, caso o pai não gozasse do benefício, a família perderia um mês do subsídio ofertado pelo mesmo governo. E em 2002  uma cartada decisiva duplicou o tempo de afastamento dedicado aos homens – 2 meses. Tudo isso já trouxe para as famílias suecas claros sinais de mudança:  o rendimento médio das mães aumentou em 7% para cada mês de licença que o pai tira! Na prática o que os casais tem praticado é dividir a licença entre o pai e a mãe, evitando que um dos pais assuma um papel dominante ou fique tempo demais afastado do emprego.

A Islândia, recentemente famosa pelo vulcão, foi ainda mais longe: três meses para a mãe, três meses para o pai e mais três meses para o casal dividir como quiser. A Alemanha em 2007 reservou 2 dos 14 meses de licença remunerada para os homens.

Enquanto isso, por aqui, as recentes iniciativas apenas aumentam o tempo de licença das mães para 6 meses, o que a meu ver é um equívoco. Dependemos cada vez mais de famílias que educam os filhos e dividem responsabilidades de forma cooperada. O modelo brasileiro de 6 meses apenas aumenta a sobrecarga sobre as mulheres e mesmo as dificuldades na carreira. Os cuidados com o bebê ficam sob regência inda mais acentuada das mães com esse modelo. Pais seguem ausentes e descompromissados com esse processo por esse modelo, mesmo que muitos mostrem-se bastante animados para dividir esse espaço.

Ainda por aqui é preciso muita batalha e  revisão de modelos. Mas a inspiração escandinava está aí para nos animar!

Mais pais criando filhos sozinhos

[Olhar de pesquisa]

Pesquisa mostra que percentual de famílias compostas por pais que criam os filhos sozinhos, sem a  presença da mãe, aumentou.

Em 1993 as famílias com essa característica correspondiam a 2,1% do total de famílias. Em 2006, ano da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o índice foi de 2,7%. O dado faz parte da 3ª edição da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), divulgada em setembro de 2008. Apesar de o crescimento parecer tímido, a pesquisadora do Ipea Natália de Oliveira Fontoura considera que ele pode indicar uma tendência de mudança no comportamento da sociedade. “Isso pode indicar uma mudança na percepção social de atividades que historicamente eram consideradas femininas ou masculinas”, explica Natália.
A pesquisa analisou os dados da Pnad com o objetivo de interpretar microdados que não fizeram parte do recorte dado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006. Além da quantidade de famílias com filhos criados pelo pai, os pesquisadores também observaram a média de horas semanais dedicadas a afazeres domésticos. Nesse caso, apesar de as mulheres ainda dispensarem muito mais tempo a essas atividades que os homens, a diferença entre os dois caiu.
Em 2001, elas cuidavam de tarefas domésticas em média 29 horas por semana, enquanto eles passavam 10,9 horas nesse tipo de trabalho. Já em 2006, a média de horas delas caiu para 24,8, enquanto eles passaram a trabalhar 10 horas.
Entretanto, a pesquisadora do Ipea chama a atenção para o fato de que o tempo dedicado a afazeres domésticos, na realidade, possa ser maior, especialmente para as mulheres. “É que muita gente não contabiliza o tempo de cuidado com as crianças ou idosos, por exemplo, como afazeres domésticos. Isso pode interferir no dado para baixo”, explica a pesquisadora.

fonte: Radiobras, set 2008