A vida muda, mas a responsabilidade continua

[Ana Dini]

Um dos momentos mais difíceis do dia de uma professora de Ed. Infantil é a hora da saída, principalmente se você tem uma turma com 30 alunos.

É claro que a atenção deve ser intensa, mas em alguns casos, entregar a criança certa à pessoa certa exige mais do que atenção, exige também boa dose de jogo de cintura.

Primeiro dia de aula, eu recebo uma carta da direção da escola alertando-me sobre a saída de uma de minhas alunas. Os pais estão em litígio e enquanto a situação não se resolve o pai está terminantemente proibido de retirar a menina da escola, em compensação, a avó paterna pode fazê-lo. Instrução simples de ser seguida, principalmente depois de conhecer quem é mãe e quem é avó, é só reconhecê-las na porta e entregar a criança.  Não fosse o fato, de a menina ODIAR a avó e entrar em completo desespero, desde a entrada à escola, nos dias em que ela vem buscá-la. A mãe chora, dizendo à filha que não pode fazer nada. E não pode mesmo!

O peso de toda a briga entre os pais, a pressão que essa avó fazia para ter a menina para si (ela, além do pai e da mãe, brigava por sua guarda), gerava na criança angústia, tensão, tristeza e imensa insegurança.

No decorrer do ano, as coisas foram se assentando: a menina já não fazia mais escândalo para sair com a avó, até porque nesses dias ela recebia uma recompensa especial. A avó comprou um cachorro e a menina, alucinada pelo animal, não resistia mais em sair com a avó.

Os traços de mimo e de superproteção eram notórios na criança. Algumas situações em sala de aula exigiam de mim uma dose extra de coragem. A menina não sabia e não podia se frustrar. Era uma criança de poucos amigos, exigia muito deles. Crianças em fase pré-escolar tendem a não ter muita paciência… então ela ficava sozinha ou buscando “implicar”com alguém.

Teria outras histórias para contar, sobre casais que se desfizeram, com filhos, e que encontraram novos parceiros, que também tinham filhos. A família nesses casos tende a crescer. Passados os primeiros momentos, quando nem adultos e nem crianças sabem muito bem o que está acontecendo, tudo tende a ficar bem.

Mas, prefiro contar uma outra história que poderia ser parecida com a que contei acima.

Início do ano, nada de recados ou alertas especiais. Hora da saída, um vovô vem retirar uma de minhas alunas. Não há nenhum tipo de autorização especial, as auxiliares da escola autorizam a saída de modo bem natural. As primeiras semanas de aula transcorrem e aquela aluna que saiu com seu avô se mostra dia-a-dia mais empenhada nas aulas, segura de si, confiante, feliz.

Para a minha surpresa seus pais estão separados, o pai, embora seja presente na vida da filha, mora em outro país e a visita uma única vez no ano, a menina mora com os avós maternos e com a mãe. Durante uma reunião, a mãe me questiona sobre o que vejo e sinto de diferente em sua filha com relação aos outros, que tem um padrão de família “normal”. Não vejo e nem sinto nada.

Ela sente que a filha é mimada e protegida pelos avós (que exercem logicamente o papel de avós) e que para ela é duro, em alguns momentos, colocar os limites em casa. Nada disso é percebido na escola, a menina não apresenta traços de criança mimada, nem mesmo superprotegida. Relaciona-se e é  bem quista por todos.

Duas histórias muito parecidas, mas que são diferentes de modo determinante pela atuação dos adultos que estão envolvidos.

Independentemente da estrutura familiar na qual a criança está inserida, é indispensável que os adultos conheçam o seu dever, saibam e se coloquem no seu papel de responsáveis pelas crianças. Ser responsável. O que isso de fato significa?

Podemos identificar o sofrimento da primeira criança e embora não tenha descrito todos os detalhes e acontecimentos dessa história, que em minha vida durou apenas um ano, garanto a vocês que a responsabilidade sentida e percebida por mãe, avó e pai sempre foi a de abafar qualquer sentimento negativo dessa menina. Eles se sentiam culpados e por isso se responsabilizavam pela felicidade imediata de sua menina. Todos os seus desejos eram concedidos e ninguém jamais terá tido oportunidade de conhecer as suas reais necessidades.

No segundo caso, os adultos continuam a ver a menina como uma criança em desenvolvimento, a mãe, atenta à atitude dos avós, teme perder a sua autoridade de mãe e busca olhar para isso. Sente-se responsável por sua filha a longo prazo, não a quer para si, fala sobre as dificuldades reais que ela e a filha encontram, mas sabe que é nessa história que a sua filha vai se desenvolver, crescer e ponto final.

Separações, mudanças, distâncias, o desconhecido, o ser diferente, tudo isso é difícil de ser enfrentado e é sem a menor sombra de dúvida, sofrimento para uma criança. Privá-la disso é impossível, porque esses acontecimentos fazem parte da vida. Temos que, como adultos que somos, acreditar que essas experiências amadurecem. Amadurecer significa romper limites, ultrapassar fronteiras, fortalecer-se como ser humano e então crescer. Que é tudo que almejamos na vida! E é essa é a nossa real responsabilidade: deixá-los crescer.

Ana Dini é educadora, formada pela USP-SP, especialista em Educação Infantil. Há 18 anos atende crianças e pais em escolas de grande porte. Ministra o workshop “Como falar para o seu filho ouvir”. Contato: anapdini@hotmail.com