[Inês Pereira]
Véspera de Dia das Mães. Cheguei em casa e o silêncio falou mais alto do que aquela necessidade de paz e sossego que às vezes sentimos. No lugar da bagunça trivial, das risadas, de choramingos e abraços, a sala arrumada, tudo em seu lugar… Meus dois filhos, Marcelo e Arthur, foram para a casa do avô – meu pai, a quem recorro volta e meia para dar cobertura nos dias (ou melhor, noites) de fechamento de revista. Uma situação comum, pois edito diversas publicações com uma equipe minúscula. Coisas do mercado de trabalho!
Filho de jornalista está acostumado com os horários malucos, mas reivindica seu tempo, sim. No meu caso, separada há seis anos, vivendo o papel de pai e mãe em todos os sentidos, a ausência é normal, e não é – se é que vocês me entendem. Um adolescente de 14 e um menino de quase 9 têm seus “momentos revolta”, quando precisam urgentemente contar que o colega da classe deu com o estojo na cabeça, ou que o pai ou a mãe (no caso, a mãe) precisa comparecer à escola na quinta, às 13h30, para a reunião da formatura de 9º. ano. Tanta urgência não compreende que, naquela semana, não dá para chegar em casa antes das 10 da noite. E aí, o que a gente faz? Ser a única provedora, dar conta financeiramente, cuidar da integridade física, acolher psicológica e emocionalmente os filhos com suas inúmeras e diferentes necessidades é uma missão possível, mas essencialmente desafiadora. Instiga 24 horas por dia, porque você não abandona o seu posto nem durante o sono. Converso com uma amiga, com outra, trocamos as dúvidas, os receios, as certezas, e não me sinto tão sozinha. Realmente, no mundo de hoje, os arranjos familiares são vários. Mas a conclusão, para mim, mais encorajadora é que, mesmo os ‘jeitos’ mais tradicionais, já não são os mesmos. Como mães, temos que nos reinventar todo dia, por em xeque os valores que considerávamos (até ontem) inquestionáveis. A gente vai entendendo que alguns chavões não são apenas chavões, são lugares-comuns absolutamente legítimos. Educar é se educar também; ensinar implica em aprender; transmitir correção, ética, respeito nos impõe o exercício da humildade. De verdade.
Sem o parceiro, tudo isso fica mais difícil, é um fato. Dá uma solidão que dói fundo e, volta e meia, tira o sono.
Será que é por aí, estou no caminho certo, meus filhos crescerão pessoas boas, felizes? Não tem jeito: por mais que saibamos dar um passo após o outro, a dúvida sempre vai cutucar, tirar da zona do conforto… E as respostas vão chegando um pouquinho por vez, a cada dia, ano, a vida toda, acho. Como nessa véspera de Dia das Mães, quando a casa estava incomodamente arrumada. Sobre o bufê, um vaso de flores do campo e um coração recortado, pintado com lápis vermelho e a mensagem com a letrinha caprichada: “Essas flores representam uma pequena fração do quanto te amo. Você é tudo para mim. Beijos: Marcelo”. Logo em seguida, o telefone:
– Oi mãe, você já vai ter que regar o seu presente hoje, por isso te dei antes!
E a outra voz gritando lá atrás: – Mãããe, deixa eu te contar onde escondi o presente que te fiz na escola? Deixa, deeeeixa?
Inês Pereira, 46 anos, mãe de Marcelo e Arthur, é jornalista em São Paulo